Electro Folk: a nova linguagem visual da MTV para os mercados emergentes
No que diz respeito a marcas, a MTV pode ser considerada uma das maiores empresas do mundo. Quando a MTV é direcionada para os mercados emergentes (MTV na Europa central e de leste, na áfrica e no médio oriente) necessitou de relança a sua identidade na Polônia, Romênia, Eslovênia, Croácia, Sérvia, Montenegro, Macedônia, Bósnia e Herzegovina, Turquia, Lituânia, Letônia, Estônia e Ucrânia. Foi necessário escolher um branding a altura das expectativas da marca MTV e que conseguisse conquistar os seus novos públicos.
A tarefa consistiu em criar uma identidade de marca que fosse suficientemente apelativa nestas regiões e aplicável numa variedade de formas e em diferentes plataformas. Na medida em que cada região apresenta características diferentes, era necessário que fosse moldável e flexível e incluísse elementos que pudessem ser adaptados, e expandidos, bem como distribuídos por todos os canais, de forma a podermos partilhar um tema comum e, em simultâneo, conseguir criar uma marca MTV com base nas audiências e cultura Locais. O desafio mais complexo foi encontrar um conceito forte que fosse interessante para todas regiões, cada uma com culturas, gostos, humores e sensibilidades diversos.
Pensei nos contadores de historias como tendência unificadora, e uma linguagem universal com a qual qualquer pessoa em qualquer parte do mundo se identificaria. Histórias contadas com recursos a uma linguagem corporal simples e universal e caracterizadas por um humor surreal e algo negro. Também me senti influenciada pela nova onda eletrônica que começou a contagiar as artes e a cena underground na Europa de leste. Tendo em consideração estes critérios, deixe-me absorver por estas regiões.
Depois de viajar por cada país e conhecer as várias equipes de criação, assim como os artistas e músicos locais e também os bares, deparei-me com o conceito do eletro e do folk. Percebi que a música popular ainda permanece muito viva na Europa Oriental, como tradição e fonte de cultura, e que, ao mesmo tempo, estas regiões procuram inspiração nas mesmas fontes a que nos recorremos. São conhecedores dos novos meios digitais e talvez sejam ainda mais curiosos e experimentais no campo da tecnologia.
Obtêm, portanto, uma estranha coexistência entre o antigo e o novo, o que esteve na origem do eletro folk. O espírito do eletro folk baseia-se na tensão entre o passado e o futuro, na interação entre o moderno, o rápido e a cultura digital eletronicamente consciente, por um lado e um espírito tradicional das histórias populares, por outro.
A componente eletro precisava de ser rápida e minimalista para assegurar que a aparência funciona tão bem ao vivo como na internet ou em ambientes digitais. A componente folk representa a alma do visual, a história por trás dos gráficos, concebida com base na tradição oral partilhada. Cada região dispõe de velhas histórias enraizadas em contos populares povoadas por humor negro e personagem estranhas, cujas peripécias são contadas nos separadores de intervalo (pequenos segmentos que separam os programas).
Depois de criado o conceito de eletro folk, precisei de constituir uma equipe. Nao procurei uma agência porque e reformulação do branding dos canais é um projeto pessoal e íntimo, determinando o aspecto e a personalidade. Por isso, desde o início mantive o projeto na empresa e reuni uma pequena equipe de freelancers muito criativos, entusiastas e talentosos. Sabia que cada um deles seria perfeito para este projeto porque também tinham viajado muito pelas regiões em questão e partilhavam uma paixão e sensibilidade pela cultura da Europa Oriental, desde o cinema e animação independentes até a música e o humor ciganos.
A equipe era constituída por Anrik, diretora artísticas, Serge, ilustrador, Alex, animador, e por um par de designers Afx.
Comecei deliberadamente por uma premissa muito pouco definida. Reuni muito material de pesquisas de antigos livros de contos de fadas emprestados por amigos (alguns belíssimos de Tbilissi, Geórgia) e conseguiu definir um rumo geral, com muitas referencias visuais mas sem elementos específicos.
Quis desenvolver o projeto deixando-me inspirar por todas as pessoas envolvidas, tento-se, assim, tornando um processo cooperativo, com cada um de nós a trabalhar sobre as interpretações do outro. Começamos pelo Serge, o ilustrador, que passou três semanas a desenvolver um clã de personagens inspiradas em figuras de contos populares e, partindo deste conjunto, iniciamos o processo de brainstorming com base nelas e nas suas histórias.
Em seguida, passamos para a animação das histórias. Queria que a animação tivesse um toque real tangível e artesanal e decidi regressar ao campo da animação tradicional, em cada fotograma, meticulosamente desenhado numa folha de papel.
Foi um processo muito trabalhoso, e muito raro nos nossos dias, em que todos optam pela rapidez e econômica da animação flash, que apresenta um resultado mais rápido, sem duvida, mas a qual falta, no entanto, aquele toque manual e muito mais satisfatório.
Queria que o aspecto visual fosse fortemente marcado pelas texturas, para alem de ser desenhado a mão. Mas também precisava que fosse digital, minimalista e rápido, de modo a refletir as plataformas digitais em que vivemos.
A MTV está a enveredar por desafios criativos no mundo online e dos telemóveis e quis que estes meios também pudessem desfrutar em pleno do nosso visual. Para os menus de navegação e painéis finais, inspiramo-nos em velhos gifs de animação, que constituem a forma de arte mais tradicional da estética informática primordial.
Quis usar os contadores de histórias para os separadores e manter um visual limpo e minimalista nos menus informativos. Combinamos isto com um tipo de letra grande, carregado e de aspecto artesanal (Fatso) para os títulos e mantimentos o tipo de letra helvética para o corpo do texto (horários dos programas, etc).
Houve algumas historias engraçadas durante este período de reformulação do branding. Numa manhã, Serge, o nosso ilustrador, foi picado por uma abelha quando vinha para o escritório na sua bicicleta. Isto ocorreu num dos dias mais cruciais para as nossas entregas e a mão inclinou-lhe de tal forma que tivemos de levar ao hospital.
Na última semana dos prazos de entrega da animação, ocorreu um incêndio na sala ao lado da nossa, como toda a animação foi criada em papel real, tentávamos constantemente voltar a entrar no edifício para salvar o material gráfico. Mas correu tudo bem.
Para mim, a melhor surpresa foi a forma como as regiões se identificaram naturalmente com algumas das personagens que criamos. As pessoas acreditaram que algumas tinham sido especificamente inspiradas em historias locais, mesmo que resultassem do nosso brainstorming com base em exemplos criados pela nossa imaginação ou em recordações de contos de fadas da infância.
A surpresa mais engraçada ocorreu quando a MTV Adria identificou uma das personagens dos separadores (o tipo com o cabelo que cresce) com uma lenda local sobre kralj Matjaz, um herói lendário na Eslovênia, possivelmente baseada num rei húngaro de carne e osso, reza a lenda que este dorme sob o monte peca, nos Alpes. Quando a sua barba crescer ate conseguir dar sete voltas ao sape rochoso, acordará, trazendo uma era dourada para os eslovenos.
O eletro folk provou ser um branding bem-sucedido e duradouro graças a pesquisa e a paixão que resultam do trabalho em equipe e de uma rede rica e diversificada de criativos de varias regiões. E também uma identidade de marca que possibilitou a todos os nossos canais um pacote flexível, fazendo,ao mesmo tempo,referencias diretas a cultura local de muitos dos nossos espectadores.
Fonte: Livro Logo Design, com texto de Marta di Francesco, da MTV Europe