Introdução ao Dicionário de Símbolos - O dinamismo simbólico e suas funções

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Os símbolos apresentam certa constância na história das religiões, das sociedades e do psiquismo individual. Estão ligados a situações, pulsões e conjuntos análogos. Evoluem de acordo com os mesmos processos.

Esse artigo foi publicado a partir da apresentação do livro DICIONÁRIO DOS SÍMBOLOS, e nesse artigo serão tratados os vários aspectos e conceitos ligados aos SIMBOLOS religiosos, sociais e pessoais.

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4 - O dinamismo simbólico e suas funções

O símbolo vivo, que surge do inconsciente criador do homem e de seu meio, preenche uma função profundamente favorável à vida pessoal e social. Se bem essa função se exerça de maneira global, tentaremos, ainda assim, analisá-la, para melhor demonstrar seu rico dinamismo e suas múltiplas facetas.

Mas não nevemos nos esquecer, a seguir, de reunir numa visão sintética esses diversos aspectos, a fim de restituir aos símbolos seu caráter específico, irredutível ao desmembramento conceitual.

Se nos foi preciso seguir uma certa ordem nesta exposição teórica, essa ordem não significa nenhuma hierarquia verdadeira, abolindo-se na unidade do real.

1.


É possível se dizer que a primeira função do símbolo é de ordem exploratória. Como inteligência indagadora projetada no desconhecido, o símbolo investiga e tende a exprimir o sentido da aventura espiritual dos homens, lançados através do espaço-tempo. Permite, de fato, que se capte, de certo modo, uma relação que a razão não pode definir por conhecer um dos termos e desconhecer o outro. Estende o campo da consciência para um domínio onde a medida exata é impossível, e no qual o ingresso implica uma parcela de aventura e desafio.

"Aquilo que denominamos símbolo", escreve C. G. Jung, "É um termo, um nome ou imagem que, mesmo quando nos são familiares na vida cotidiana, possuem, não obstante, implicações que se acrescentam à sua significação convencional e evidente. O símbolo implica qualquer coisa de vago, de desconhecido ou de oculto para nós [...]. No momento em que o espírito empreende a exploração de um símbolo, é levado a ideias situadas para além do que nossa razão é capaz de captar. A imagem da roda, por exemplo, pode sugerir-nos o conceito de um sol divino, mas, nesse ponto, nossa razão é obrigada a declarar-se incompetente, pois o homem é incapaz de definir um ser divino [...]. É por inúmeras coisas se situarem para além dos limites do conhecimento humano, que utilizamos constantemente termos simbólicos para representar conceitos que não podemos definir nem compreender por completo [...]. Mas o uso consciente que fazemos dos símbolos é somente um dos aspectos de um fato psicológico de grande importância: pois o homem também cria símbolos de modo inconsciente e espontâneo", para tentar exprimir o invisível e o inefável.

Não obstante, o termo desconhecido, em direção ao qual o símbolo orienta o pensamento, não poderia ser uma extravagância qualquer da imaginação. Estejamos atentos, aliás, para não qualificar de extravagante tudo o que ultrapassar nosso entendimento; em vez disso, procuremos, por baixo das relações insólitas, a parcela de verdade que possam ousadamente traduzir.

Deixando de lado a pura fantasmagoria — que, de resto, jamais é desprovida de sentido aos olhos do psicanalista, sem que seja necessariamente simbólica —, pode-se admitir, com C. G. Jung, "que um símbolo supõe sempre que a expressão escolhida designa ou formula, da maneira mais perfeita possível, certos fatos relativamente desconhecidos, mas cuja existência está estabelecida ou parece necessária".

Torna possível, conforme diz Mircea Eliade, "a livre circulação através de todos os níveis do real". Nada é irredutível ao pensamento simbólico: ele inventa sempre uma relação. É, em certo sentido, a ponta de lança da inteligência; mas que se destruiria caso se apegasse a formulações definitivas.

Os próprios problemas e mistérios segregam respostas, embora sob forma de símbolos. Os jogos de imagens e as relações imaginadas constituem uma hermenêutica experimental do desconhecido. Os nesmos esquemas imaginários poderão subsistir, uma vez identificados pelo analista e pela razão científica, mas, neste caso, para convidar o homem à pesquisa do desconhecido numa outra direção, conduzindo-o a novas explorações.

2.


Essa primeira função está estreitamente ligada à segunda. O desconhecido do símbolo não é, com efeito, o vazio da ignorância; é, sobretudo, o indeterminado pressentimento. Uma imagem vetorial ou um esquema eidolo-motor recobrirão ase indeterminado de um véu que será, ao mesmo tempo, uma primeira indicação ou revelação.

Consequentemente, o símbolo exerce função de substituto. Aos olhos do psicanalista e do sociólogo, de modo figurativo, substitui, à guisa resposta, solução ou satisfação, uma pergunta, um conflito ou um desejo que bermaneçam em suspenso no inconsciente. É uma "expressão substitutiva destinada a fazer passar para a consciência de forma camuflada certos conteúdos que, por causa da censura, não podem penetrá-la".

O símbolo exprime o mundo percebido e vivido "tal como o sujeito o experimenta", não em função de razão crítica e no nível de sua consciência, mas em função de todo o seu psiquismo, afetivo e representativo, principalmente no nível do inconsciente. Ele não é, pois, "um simples artificio, agradável ou pitoresco, é uma realidade viva que detém um poder real, em virtude da lei de participação".

Substitui a relação do ego com seu meio ambiente, ou com sua situação ou consigo mesmo, quando essa relação não é assumida em pleno conhecimento de causa. Mas o que o símbolo tende a sugerir não é, segundo a escola freudiana, apenas o objeto de um recalque. É, segundo o pensamento de Jung, o sentido de uma pesquisa e a resposta de uma intuição incontrolável. "A função original dos símbolos é precisamente essa revelação existencial do homem a si próprio, através de uma experiência cosmológica", na qual podemos incluir toda a sua experiência pessoal e social.

3.


A substituição implica uma terceira função: a mediadora. Efetivamente, o símbolo exerce uma função mediadora; estende pontes, reúne elementos separados, reune o céu e a terra, a matéria e o espírito, a natureza e a cultura, o real e o sonho, o inconsciente e a consciência.

A todas as forças centrífugas de um psiquismo instintivo, levado a dispersar-se na multiplicidade das sensações e das emoções, o símbolo opõe uma força centrípeta, estabelecendo precisamente um centro de relações ao qual o múltiplo se refere e onde encontra sua unidade. Resulta da confrontação de tendências contrárias e de forças antinômicas, e reúne-as numa certa relação. Compensa as estruturas de dissociação de uma libido confusa com estruturas de associação de uma libido orientada.

Sob esse aspecto, o símbolo é um fator de equilíbrio. Um jogo vivo de símbolos num psiquismo assegura uma atividade mental intensa, sadia e, ao mesmo tempo, liberadora. O símbolo fornece ajuda das mais eficazes ao desenvolvimento da personalidade. Possui, de fato, conforme a observação de C. G. Jung, "à margem de sua expressão formal, uma expressividade luminosa, isto é, uma eficácia prática no plano dos valores e dos sentimentos". É ele que favorece essas passagens alternativas e invertidas entre os níveis de consciência, entre o conhecido e o desconhecido, o manifesto e o latente, o ego e o superego.

4.


A mediação tende, em última análise, a reunir. Este é o outro aspecto do papel funcional dos símbolos: são forças unificadoras. Os símbolos fundamentais condensam a experiência total do homem; a religiosa, a cósmica, a social e a psíquica (nos três níveis: do inconsciente, do consciente e do supraconsciente).

Realizam, também, uma síntese do mundo, mostrando a unidade fundamental de seus três planos (inferior, terrestre e celeste) e o centro das seis direções do espaço; destacam os grandes eixos de reagrupamento (Lua, água, fogo, monstro alado etc.); por fim, atam o homem ao mundo, os processos de integração pessoal do primeiro inserindo-se numa evolução global sem isolamento nem confusão.

Graças ao símbolo, que o situa numa imensa rede de relações, o homem não se sente um estranho no universo. A imagem torna-se símbolo quando seu valor se dilata a ponto de reunir, no homem, suas profundezas imanentes e uma transcendência infinita. O pensamento simbólico reside numa das formas daquilo que Pierre Emmanuel denomina "osmose contínua do interior e do exterior".

5.


Unificador, o símbolo exerce, consequentemente, uma função pedagógica e mesmo terapêutica. De fato, ele causa um sentimento que, se nem sempre é de identificação, pelo menos é de participação numa força supraindividual.

Ao juntar elementos desiguais do universo, faz sentir à criança e ao homem que não são seres isolados e perdidos no vasto conjunto que os rodeia. Mas neste caso é preciso não confundir o símbolo com o ilusório nem sua defesa com o culto do irreal.

Sob forma cientificamente inexata e até mesmo ingênua, o símbolo exprime uma realidade que responde às múltiplas necessidades de conhecimento, de ternura e de segurança. Todavia, a realidade que ele exprime não é a mesma que representa pelos traços exteriores de sua imagem (bode, estrela ou grão de trigo); é qualquer coisa de indefinível, mas de profundamente sentido como a presença de uma energia física e psíquica que fecunda, cria e alimenta.

Através dessas simples intuições, o indivíduo sente-se como parte de um conjunto que a um só tempo o amedronta e tranquiliza, mas que o adestra para a vida. Resistir aos símbolos é como amputar uma parte de si mesmo, empobrecer a natureza inteira e fugir, sob pretexto de realismo, do mais autêntico dos convites para uma vida integral.

Um mundo sem símbolos seria irrespirável: provocaria de imediato a morte espiritual do homem. Mas a imagem não toma o valor de símbolo, a menos que o espectador aceite uma transferência imaginária, simples na realidade, mas complexa para a análise, transferência esta que o coloca no interior do símbolo e que coloca o símbolo no interior do homem, cada um participando da natureza e do dinamismo do outro, numa espécie de simbiose.


Essa identificação ou essa participação simbólicas abolem as fronteiras das aparências e conduzem a uma existência partilhada. Realizam uma unidade. Tudo isso é, sem dúvida, o que exprime Rainer Maria Rilke num poema:

Se queres lograr que uma árvore cobre vida,
projeta em torno dela este espaço interior
que reside em ti...
Pois só quando toma forma na tua renúncia
é que ela se torna realmente árvore.


Compreende-se o papel considerável dessa vida imaginativa. Mas ignorar as distinções necessárias seria perder, a um só tempo, o sentido do símbolo e o sentido das realidades. Nunca será demais acautelar-se contra os riscos e abusos da identificação.

Se por um lado a via da identificação apresenta vantagens, por outro seria imprudente o prolongar-se nela, sem pensar ao mesmo tempo em distanciar-se. Não resta dúvida de que essa via pode, por exemplo, ajudar a adquirir, sobretudo no que concerne à criança, as atitudes positivas do herói escolhido; mas, quando prolongada, pode vir a provocar certo infantilismo e a retardar a armação da personalidade autônoma.

A identificação com os seres bíblicos, escreve um eminente religioso, é um dos grandes meios para se descobrir o comportamento do homem diante de Deus. No entanto, seria uma infelicidade para ele identificar-se com Caim. Mas, afinal de contas, por mais lamentável que fosse, não passaria de um erro individual de escolha.

O pior é o erro de método, é fazer, da identificação com o outro, de modo imprecavido, um princípio pedagógico, e fazer da estrutura heterogeneizante o fundamento de uma educação.

De fato, os símbolos tomam parte decisiva na formação da criança e do adulto, não somente como expressão espontânea e comunicação adaptada, mas também como um meio de desenvolver a imaginação criadora e o sentido do invisível. No entanto, devem permanecer como fator de integração pessoal, e não tornar-se um risco de desdobramento da personalidade.

6.


Se, por uma ruptura de unidade, o símbolo ameaça atrofiar o sentido do real, não é menos verdade que ele seja um dos fatores mais poderosos da inserção na realidade, em virtude de sua função socializante. Produz uma comunicação profunda com o meio social.

Cada grupo, cada época, têm seus símbolos; vibrar com esses símbolos é participar desse grupo e dessa época.

  • Época morta = época sem símbolos;
  • Sociedade desprovida de símbolos = sociedade morta.

Uma civilização morre quando já não possui símbolos; muito em breve, dela nada se saberá, senão através da história. O símbolo, conforme já se disse, é uma linguagem universal. Ele é mais, e é menos do que universal.

É universal, de fato, por ser virtualmente acessível a todo ser humano, sem passar pela interpretação de línguas escritas ou faladas, e por emanar de toda psique humana. Se é possível admitir um fundo comum do inconsciente coletivo, capaz de receber e de emitir mensagens, não se deve esquecer que esse fundo comum se enriquece e se diversifica com todas as contribuições étnicas e pessoais. O mesmo símbolo aparente, a corça ou o urso, por exemplo, adquirirá, portanto, uma coloração diversa, conforme os povos e os indivíduos, e igualmente conforme os tempos históricos e a atmosfera do presente. O que é importante é ser sensível a essas possíveis diferenciações, se se deseja prevenir mal-entendidos e, sobretudo, penetrar numa compreensão profunda do outro.

Nessas circunstâncias é que se vê como o símbolo conduz para além do universal do conhecimento. Realmente, ele não é simples comunicação de conhecimento, mas sim convergência de afetividade: através do símbolo, as libidos, no sentido energético do termo, entram em comunicação. Por esta razão o símbolo é o instrumento mais eficaz da compreensão interpessoal, intergrupal, internacional, conduzindo-a à sua mais alta intensidade e às suas mais profundas dimensões.

A concordância sobre o símbolo é um passo da maior importância na via da socialização. Na sua qualidade de universal, o símbolo tem a capacidade simultânea de introdução no cerne do individual e do social. Quem penetrar no sentido dos símbolos de uma pessoa ou de um povo conhecerá a fundo essa pessoa ou esse povo.

7.


A sociologia e a psicanálise distinguem os símbolos mortos e os símbolos vivos. Os primeiros já não têm nenhum eco na consciência, quer individual quer coletiva. Já pertencem apenas à história, à literatura ou à filosofia. As mesmas imagens poderão estar mortas ou vivas, conforme as disposições do espectador, conforme suas atitudes profundas, conforme a evolução social.

Estarão vivas se desencadearem em todo o seu ser uma vibrante ressonância; e mortas se não passarem de um objeto exterior, limitado a seus próprios significados objetivos.

Para o hindu, imbuído do pensamento védico, a vaca apresenta um interesse espiritual bem diverso do que desperta no criador normando.

A vitalidade do símbolo depende da atitude da consciência e dos dados do inconsciente. Pressupõe uma certa participação no mistério, uma certa conaturalidade com o invisível; ela as reativa, as intensifica e transforma o espectador em ator.

Se assim não fosse, segundo as palavras de Aragon, os símbolos seriam apenas palavras caducas cujo antigo conteúdo desapareceu, como o de uma igreja onde a não se reza.

O símbolo vivo, portanto, supõe uma função de ressonância. Transportado para o plano psicológico, o fenômeno é comparável àquele que a dinàmica física denomina vibratório. Um corpo, uma ponte suspensa, por exemplo, vibra com sua frequência própria, variável conforme as influências que sobre ele se exercem, como a do vento. Se uma dessas influências, por sua plópria frequência, entrar em ressonância com a desse corpo, e se seus ritmos se combinarem, produz-se um efeito de amplificação das vibrações, de aceleração oscilações que podem chegar, progressivamente, até o turbilhão e a ruptura.

A função de ressonância de um símbolo é tanto mais ativa quanto melhor se ajustar o símbolo à atmosfera espiritual de uma pessoa, de uma sociedade, de uma época ou de uma circunstância qualquer. Ela pressupõe que o símbolo esteja ligado a uma certa psicologia coletiva, e que sua existência não dependa de uma atividade puramente individual.

E esta observação é válida tanto para o conteúdo imaginativo quanto para a interpretação do símbolo. Mesmo quando emerge de uma consciência individual, o símbolo está imerso no meio social. Sua potência evocadora e liberadora variará, conforme o efeito de ressonância que resultar dessa relação entre o social e o individual.

8.


Essa relação só poderá ser equilibrada numa síntese harmoniosa das exigências, muitas vezes diferentes, da pessoa e da comunidade. Um dos papéis que o símbolo desempenha é o de reunir e harmonizar até mesmo os contrários. C. G. Jung denomina 'função transcendente (função das mais complexas e de forma alguma elementar; transcendente, no sentido de passagem de uma atitude à outra, sob o efeito desta função) a propriedade que os símbolos possuem de estabelecer uma conexão entre forças antagônicas e, consequentemente, de vencer oposições e de assim franquear o caminho a um progresso da consciência.

Dentre as páginas mais sutis de sua obra estão aquelas que descrevem a maneira como, em virtude dessa função transcendente dos símbolos, se desatam, se desligam e se manifestam forças vitais, antagônicas, mas de modo algum incompatíveis, que não são capazes de se unir senão através de um processo de desenvolvimento integrado e simultâneo".

9.


Verifica-se, portanto, que o símbolo se inscreve no movimento evolutivo completo do homem, e não apenas enriquece seus conhecimentos e sensibiliza seu senso estético. É como se exercesse a função de transformador de energia psíquica; como se extraísse essa energia de um gerador de força, algo confuso e anárquico, a fim de normalizar uma corrente e torná-la utilizável na conduta pessoal da vida. "A energia inconsciente", escreve G. Adler, "inassimilável sob forma de sintomas neuróticos, é transformada em energia que poderá ser integrada ao comportamento consciente graças ao símbolo, quer este provenha de um sonho ou de qualquer outra manifestação do inconsciente. O ego é que deve assimilar a energia inconsciente liberada por um sonho (ou por um símbolo), e somente se o ego estiver maduro para esse processo de integração é que este poderá realizar-se".

O símbolo não apenas exprime as profundezas do ego, às quais dá forma e figura, mas também estimula, com a carga afetiva de suas imagens, o desenvolvimento dos processos psíquicos. Tal como o atanor dos alquimistas, transmuta as energias: pode converter o chumbo em ouro, e as trevas em, luz.