A simbologia dos cabelos

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Acredita-se que os cabelos, assim como as unhas e os membros de um ser humano, possuam o dom de conservar relações íntimas com esse ser, mesmo depois de separados do corpo. Simbolizam suas propriedades ao concentrar espiritualmente suas virtudes: permanecem unidos ao ser, através de um vínculo de simpatia. Daí o culto das relíquias de santos — e, principalmente, da mecha de cabelos — culto que compreende não apenas um ato de veneração, mas também um desejo de participação das virtudes particulares desses santos.

Daí, igualmente, o hábito existente em muitas famílias de conservar cachos de cabelos e os primeiros dentes de leite. Na realidade, essas práticas significam mais do que o simples desejo de perpetuar uma recordação: elas revelam quase uma vontade de fazer sobreviver o estado da pessoa a quem esses cabelos pertenciam.

Na maior parte das vezes, os cabelos representam certas virtudes ou certos poderes do homem: a força e a virilidade, por exemplo, no mito bíblico de Sansão. Chegam até mesmo a substituí-lo completamente: Tang, o Vitorioso, no momento em que se oferece como vítima de sacrifício pela felicidade de seu povo, corta os cabelos (e as unhas, pois, mesmo biologicamente, elas são o equivalente dos cabelos).

A fim de conseguir realizar a Grande Obra (em alquimia: conversão de metais em ouro) da fundição das espadas, Kant-tsiang e sua mulher, Moye, oferecem-se em sacrifício à fornalha, jogando dentro dela seus cabelos e unhas cortados; fato idêntico é relatado
na alquimia ocidental.

No Vietnã, nunca se jogam fora os cabelos cortados ou arrancados pelo pente, pois poderão servir para influir magicamente sobre o destino de seu proprietário.

A idade da virilidade é aquela em que se deixam crescer os cabelos. Na China, o fato de se ter os cabelos cortados rente era uma mutilação, que impedia o acesso a certas funções e que, em última análise, era uma emasculação.

O ato de cortar os cabelos correspondia não só a um sacrifício, mas também a uma rendição: era a renúncia — voluntária ou imposta — às virtudes, às prerrogativas, enfim, à própria personalidade.

Encontram-se vestígios disso não somente no terrível escalpo dos povos originários da América, mas também no fato de que, quase em toda parte do mundo, a entrada no estado monástico implique o corte dos cabelos (recorde-se, aqui, a de Xáquia-Muni).

Os vietnamitas costumam tirar toda uma série de conclusões relativas ao destino e ao caráter de um indivíduo, baseadas na disposição de seus centros capilares: criaram uma espécie de divinação capilar. O corte e a disposição da cabeleira sempre foram elementos determinantes não só da personalidade, como também de uma função social ou espiritual, individual ou coletiva.

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O penteado revestia-se de extrema importância na casta guerreira nipônica. Mesmo na França, quando se começou a cortar os cabelos, somente os reis e os príncipes conservaram o privilégio do uso de cabelos longos, que eram insígnia de poderio.

Na Ásia, o corte ou a modificação da cabeleira foram muitas vezes instrumento de dominação coletiva, tal como o uso da trança larga imposto aos chineses por seus invasores mandchus. Na China, há todo um simbolismo relacionado aos cabelos soltos ou desgrenhados, quando implicam uma atitude ritual. Ainda hoje, é um sinal de luto; antigamente — embora a significação fosse a mesma — era um sinal de submissão.

Alguns Imortais usavam os cabelos desgrenhados, tal como era costume entre os participantes do método de concentração taoista, para conservar o Uno. Participava-se de certas danças rituais muito antigas com os cabelos desgrenhados; e essa era também a atitude dos feiticeiros em seu ofício, e a dos aspirantes à entrada nas lojas das sociedades secretas.

De modo geral, parece tratar-se de uma renúncia às limitações e às convenções do destino individual, da vida comum, da ordem social.

Não seria o caso de se pensar, aqui, nos "beatniks" modernos? Na iconografia hindu, os cabelos soltos são, na maior parte dos casos, uma característica das divindades terríveis. E o mesmo acontece com as Górgonas da mitologia grega e com o Tifão. Mas é também uma das características de Shiva.

Estão relacionados com Vayu, o vento, e também com Ganga, o rio Ganges, manifestação dessa divindade, que flui de sua coroa de cabelos emaranhados. A trama, a tecedura do Universo, é formada pelos cabelos de Shiva que se identificam às direções do espaço.

Os cabelos dispostos ao redor da cabeça são também uma imagem dos raios solares. De um modo mais geral, eles participam das relações com o céu: na China, cortar os cabelos ou cortar as árvores de uma montanha (o que vinha a dar no mesmo) fazia cessar a chuva.

Num outro plano, poder-se-á notar o papel da mecha de cabelos dos muçulmanos, e, igualmente, o do penacho (sikha) de cabelos no topo da cabeça das divindades hindus, que aparecem como signo das relações efetivas ou potenciais com o domínio supra-humano, signo da ultrapassagem da individualidade e da saída do cosmo.

Embora não haja na tradição céltica qualquer especificação de que a cabeleira seja um símbolo ou um sinal de virilidade, de acordo com os textos insulares, no entanto, o uso de cabelos longos marca a qualidade aristocrática ou régia.
Em geral, são os servidores ou os inferiores que têm cabelos curtos; e, nas descrições de personagens importantes, a menção da cabeleira, loura ou castanha, raramente é omitida.

Na época antiga, a cabeleira foi o sinal distintivo dos gauleses independentes. Por oposição à Narbonnaise (nome dado pelos romanos a uma parte da Gália meridional, por
eles conquistada c. 125 a.C.), a Gália ainda livre chamou-se Gallia comata (Gália cabeluda) ou Gallía braccata (Gália das bragas): "Tu também, Tréviro, feliz de retornar ao combate, e tu, Ligúrio tosquiado, que antigamente eras tão belo com teus cabelos desgrenhados sobre os ombros, marchando à vanguarda de toda a Gália cabeluda".

O escritor latino simboliza, na figura do Tréviro, o gaulês independente e livre, e na do Ligúrio, aquele que, tendo perdido os cabelos juntamente com sua liberdade, abandonou também sua selvageria nativa. Seja como for, o certo é que os celtas cuidavam muito bem de suas cabeleiras, penteando-as, trançando-as e, segundo alguns escritores antigos, descolorando-as.

Silius Italicus (Punica, 4, 200) cita o caso de um gaulês que teria consagrado sua cabeleira a Marte. No início da cristianização da Irlanda, a tonsura eclesiástica era marca de grande humildade.

A tonsura do cristianismo celta correspondeu, durante longo tempo, àquela que todos os textos atribuem ao deus Lug. O cabelo é um vínculo, o que lhe permite ser utilizado como um dos símbolos mágicos da apropriação, e até mesmo da identificação.

Um fazedor de chuva do baixo Zambeze costumava ser possuído por dois espíritos: o de um leão e o de um leopardo. A fim de impedir que esses espíritos o abandonassem, ele jamais cortava os cabelos e jamais bebia álcool. E Frazer sublinha que, frequentemente, os cabelos dos reis, dos sacerdotes e de outras pessoas são objeto de um tabu, e jamais podem ser cortados.

Em outros lugares, costuma-se suspender o corte de cabelos durante todo o período de uma guerra, de uma viagem, ou em consequência de um voto.

Os egípcios costumavam deixar crescer seus cabelos durante o tempo em que viajavam. Deixar os cabelos crescerem (ou a barba e o bigode), sem cortá-los e sem penteá-los, é um sinal de luto para numerosos povos (papuas, da Nova Guiné) e, muitas vezes, é a consequência de uma promessa.

A História contemporânea apresenta um notável exemplo disso no caso dos barbudos de Fidel Castro, que haviam feito uma promessa de não se barbear nem cortar os cabelos, enquanto não houvessem libertado Cuba da tirania.

Os cabelos são considerados a morada da alma, ou de uma das almas. Em Celebes e em Sumatra, costuma-se deixar crescer os cabelos das crianças para que elas náo corram o risco de perder a alma que neles reside.

Numa certa região da Alemanha, pensava-se que não se devia cortar os cabelos de uma criança antes que ela tivesse completado um ano, sob pena de torná-la. desafortunada.

Inúmeros povos fazem da primeira vez que uma criança corta os cabelos a ocasião de uma importante cerimônia, marcada por uma série enorme de operações propiciatórias, destinadas a afugentar os espíritos maléficos. Com efeito, considera-se que a criança esteja particularmente vulnerável às forças malignas, a partir do momento em que é despojada, com a perda de seus primeiros cabelos, de uma parte de sua força vital. Este é especialmente o caso entre os povos indígenas hopi do Arizona, que só realizam essa operação de maneira coletiva, e apenas uma vez por ano, durante a festa do solstício de inverno.

O primeiro corte dos cabelos do príncipe herdeiro coincidia, entre os incas, com o momento em que era desmamado, ao completar a idade de dois anos. Era então que ele recebia seu nome, e "nessa ocasião", segundo o Inca Garcilaso de la Vega, "havia uma grande festa para a qual todos os parentes do rei se reuniam na corte". Essa associação manifesta claramente o elo estabelecido entre o cabelo e afirça vital: o futuro rei recebe um nome e, portanto, torna-se uma pessoa, ao mesmo tempo que perde seus primeiros cabelos, ligados à sua vida pré-natal; vale dizer, uma vez mais, que durante essa operação sua força vital própria se dissocia da força vital que, até aquele instante, ele recebera de sua mãe. E o fato de que isso ocorra no momento do desmame confirma essa interpretação.

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O conceito de força vital traz consigo, forçosamente, os de alma e de destino. Ora, Don
Talayesva, ao descrever os ritos de casamento dos índígenas hopi, especifica que as mulheres, parentas dos jovens prometidos, após lhes terem lavado os cabelos, "colocam-nos juntos, dentro de uma mesma bacia com espuma de `yuca [aipim] purificadora e fertilizante, e depois enrolam-lhes os cabelos misturados numa única torcida, porque [dizem eles] nós acreditamos que assim ficarão ligados um ao outro, tal como a volva adere ao caroço de alperche".

Nesse mesmo sentido, a poesia iraniana compara as mechas ondulantes da cabeleira a um arco, cuja corda retesada religa as duas extremidades desse arco: imagem do laço tecido entre dois seres que se amam. Os cachos de cabelo simbolizam o selo de aliança que os amantes se comprometem a não trair jamais.

No pensamento simbólico, os cabelos estão igualmente ligados à relva, cabeleira da terra, e, portanto, à vegetação.

Para os povos agrários, o crescimento dos cabelos assemelha-se exatamente ao das plantas alimentícias: daí sua importância, e o cuidado que todos os povos chamados primitivos dispensam aos cabelos.

A ideia de crescimento está ligada à da ascensão: o céu despeja as chuvas fecundantes que fazem subir em direção a ele as plantas da terra; e assim, os cabelos encontram-se frequentemente associados, nos ritos propiciató-rios, às penas, mensageiras entre os homens e os deuses uranianos.

E como a cabeleira é uma das principais armas da mulher, o fato de que esteja à mostra ou escondida, atada ou desatada é, com frequência, um sinal da disponibilidade, do desejo de entrega ou da reserva de uma mulher.

Maria Madalena, na iconografia cristã, é sempre representada com os cabelos longos e soltos, muito mais como um sinal de abandono a Deus, do que como lembrança de sua antiga condição de pecadora.

Na Rússia, a mulher casada costumava esconder seus cabelos, e há um provérbio que afirma: uma moça pode divertir-se, contanto que sua cabeça não esteja coberta. A noção de provocação sensual, ligada à cabeleira feminina, está igualmente na origem da tradição cristã segundo a qual as mulheres não podem entrar na igreja com a cabeça descoberta: se o fizessem, seria pretender a uma liberdade não somente de direito, mas de costumes.

Na Rússia, a trança grossa e única é usada só pelas donzelas: é um signo de virgindade; depois de casada, a mulher usa duas tranças. Pentear os cabelos de alguém é um sinal de atenção, de boa acolhida; e catar os piolhos também tem o mesmo sentido, para numerosos povos (russos e dravidianos da índia).

Em compensação, deixar-se pentear por alguém é sinal de amor, de confiança, de intimidade. Pentear alguém longamente significa embalar, adormecer ou acariciar esse alguém; daí os pentes mágicos dos contos de inúmeros países (v. Andersen, o pente de ouro da velha vendedora de flores, em A rainha das neves); daí também provém, certamente, o costume das estudantes russas de evitar pentear-se na véspera dos exames, a fim de não correrem o risco de esquecer as lições.

Em um mito dos evenkis, é preciso que se faça uma bolsa dos cabelos trançados de todos os homens — um fio de cada homem — a fim de trazer de volta o sol perdido (Folclore Evenki, Contos dos Países do Norte).

Na prática da Igreja cristã, tudo o que diz respeito à cabeleira apresenta símbolos variados. Os eremitas deixavam crescer seus cabelos. Segundo o exemplo dado pelos nazarenos, os solitários jamais deviam fazer uso da navalha de barbear ou da tesoura; sua cabeleira era abundante e hirsuta.

Na Idade Média, os eremitas mandavam cortar seus cabelos, mas só uma vez por ano. Os cabelos não eram considerados enfeite. Em compensação, aqueles que entravam numa ordem religiosa (ho-mens ou mulheres) eram tonsurados, em sinal de penitência. Fazer-se cortar os cabelos por um homem idoso podia ter uma significação de dependência, era como colocar-se sob tutela.

E por considerar-se que a força residia no uso de cabelos longos, o ato de cortar os cabelos adquiriu o valor de uma perda de potência.

Quanto aos laicos, e no respeitante às mulheres, estas não tinham o direito de usar cabelos curtos, constituindo exceção, entretanto, os períodos de penitência. Os penitentes de ambos os sexos eram encorajados a cortar seus cabelos.
Os cabelos cortados rentes, tosquiados, no caso de certos criminosos — homens ou mulheres — não serão uma continuação inconsciente desse simbolismo, ainda em nossos dias?

Clemente de Alexandria e Tertuliano recusavam às mulheres a liberdade de tingir os cabelos ou de usar perucas. Essas proibições provinham de um espírito de penitência, que não permitia os artifícios da sedução. (Para os clérigos, consultar o verbete tonsura.) Notemos que a importância dada aos cabelos era tão grande que uma desobediência dessa ordem podia privar o recalcitrante de entrar na igreja e de receber a sepultura religiosa.

O corte dos cabelos de adolescentes era acompanhado de preces. Os sacramentários antigos e medievais contêm orações nesse sentido. São João da Cruz, retomando a frase de São Paulo: "Mas sobre tudo isso, revesti-vos da caridade, que é o vínculo da perfeição" (Colossenses, 3, 14), considera que o cabelo da esposa, "atando o ramalhete de virtudes da alma, é a vontade e o amor".

 

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A Górgona é uma criatura da mitologia grega, representada como um monstro feroz, de aspecto feminino, com cabelos de serpentes e grandes presas. Tinha o poder de transformar todos que olhassem para ela em pedra, o que fazia com que, muitas vezes, imagens suas fossem utilizadas como uma forma de amuleto.

Na mitologia grega, existiam três Górgonas: as três filhas de Fórcis e Ceto. Seus nomes eram Medusa (a impetuosa), Esteno (a que oprime) e Euríale (a que está ao largo). Como a mãe, as górgonas eram extremamente belas e seus cabelos eram invejáveis; todavia, eram desregradas e sem escrúpulos.

Isso causou a irritação dos demais deuses, principalmente de Atena, a deusa da sabedoria, que admirou-se de ver que a beleza das górgonas as fazia exatamente idênticas a ela.

Atena então, para não permitir que deusas iguais a ela mostrassem um comportamento maligno, tão diferente do seu, deformou-lhes a aparência, determinada a diferenciar-se. Atena transformou os belos cabelos das três irmãs em ninhos de serpentes letais e violentas, que picavam suas faces. Transformou seus belos dentes em presas de javalis, e fez com que seus pés e mãos macias se transformassem em bronze frio e pesado.

Cobriu suas peles com escamas douradas e para terminar, Atena condenou-as a transformar em pedra tudo aquilo que pudesse contemplar seus olhos. Assim, o belo olhar das górgonas se transformou em algo perigoso.

Envergonhadas e desesperadas por seu infortúnio, as górgonas fugiram para o Ocidente, e se esconderam na Criméia, conhecida antigamente como "o país da noite eterna".

Mesmo monstruosa, Medusa foi assediada por Poseídon, que odiava Atena. Para vingar-se, Medusa cedeu e Poseídon desposou-a. Após isso, Poseídon fez com que Atena soubesse que ele tivera aquela que era sua semelhante. Atena sentiu-se tão ultrajada que tomou de Medusa sua imortalidade, fazendo-a a única mortal entre as górgonas. Em outras versões, Atena amaldiçoou as górgonas justamente porque quando Medusa ainda era bela, ela e Posídon se uniram em um templo de Atena, a deusa ficou ultrajada e as amaldiçoou.

Mais tarde, Perseu, filho de Zeus e da princesa Dânae, contou com a ajuda de Atena para encontrar Medusa e cortar a sua cabeça, com a qual realizou prodígios. Pois mesmo depois de morta, a cabeça continuava viva e aquele que a olhasse nos olhos se tornava pedra. Medusa deu à luz dois filhos de Posídon, Pégaso e Crisaor.

O símbolo do Pente

Se o pente é vulgarmente considerado um instrumento utilitário ou decorativo, ele desempenha, na mitologia japonesa, um papel particularmente importante, embora de natureza complexa.

O ponto mais interessante parece ser o de que o pente colocado sobre a cabeça, a título não utilitário, é um meio de comunicação com os poderes sobrenaturais ou de identificação com esses mesmos poderes.

Os dentes do pente representariam os raios da luz celeste, penetrando o ser pelo alto da cabeça. O pente é ainda aquele que mantém unidos os cabelos, isto é, os componentes da individualidade sob seu aspecto de força, de nobreza, de capacidade de elevação espiritual.

O pente achado é capaz de modificar a individualidade de quem o acha. Nos contos de Nihongi, o pente também parece desempenhar um papel de proteção, mas a sua transformação em moita de bambus não a explicita com clareza. A moita de bambus tem, entretanto, às vezes, o sentido de uma selva impenetrável. O pente que é assimilado a ela serve de barreira protetora: seus dentes podem ser punhais.

 

Fonte: Livro Dicionário dos Símbolos, por Jean Chevalier e Alain Gheerbrant, editora J.O.


Página atualizada na Agência EVEF em 04/04/2022 por Everton Ferretti