Simbologia do jardim

jardim simbologia historica

O jardim é um símbolo do paraíso terrestre, do Cosmos de que ele é o centro, do Paraíso celeste, de que é a representação, dos estados espirituais, que correspondem às vivências paradisíacas.

Sabe-se que o Paraíso terrestre do Gênesis era um jardim, sabe-se que Adão cultivava o jardim, o que corresponde à predominância do reino vegetal no começo de uma era cíclica, enquanto a Jerusalém celeste do fim será uma cidade.

Já foi dito, apropriadamente, dos jardins da Roma antiga que eram lembranças de um paraíso perdido. Eram também imagens e resumos do mundo, como o são ainda, em nossos dias, os célebres jardins japoneses e persas.

O jardim, no Extremo Oriente, é o mundo em miniatura, mas é também a natureza restituída ao seu estado original, convite à restauração da natureza original do ser. "Que prazer", escreve o poeta chinês Hi K'ang, "passear no jardim! Faço nele a volta do infinito..."

A Ásia oriental conhece, assim, jardins paradisíacos: o Kuan-Luan, centro do mundo e porta do céu, está ornado de jardins suspensos — que não deixam de evocar os outros, perdidos, da Babilônia — onde corre uma fonte de imortalidade.

E o jardim circular, como o Éden, que cerca o Ming-t'ang, é bem de natureza paradisíaca: repete, no centro do império, o jardim de Kuan-Luan.

O claustro dos mosteiros, o jardim das casas muçulmanas com sua fonte central são imagens do Paraíso. Aliás, observa Abu Ya' q'u Sejestani jannat (o Paraíso) tem no bojo o termo persa que significa "um jardim cheio de árvores frutíferas, de plantas aromáticas, de riachos... Pois bem. Da mesma forma, os altos conhecimentos e os dons da Inteligência e da Alma" são o jardim da clara percepção interior.

Desses jardins, que são moradas paradisíacas, diz-se, no Islã, que Alá é o Jardineiro. O próprio Deus é um jardim, escreve São João da Cruz; "a esposa" lhe dá esse nome "por causa da agradável morada que encontra nele. Ela entra nesse jardim quando se transporta em Deus". Uma tradição cabalística trata do Paraíso como de um jardim devastado por alguns que nele penetraram.

O Pardes é, aqui, o domínio do conhecimento superior; as quatro consoantes da palavra correspondem aos quatro grandes rios do Éden e aos quatro sentidos hierarquizados das Escrituras. Os danos causados ao jardim consistiram no corte de plantas, isto é, na separação da vegetação contingente do seu Princípio.

Os egípcios tinham também o gosto dos jardins, com maciços floridos e tanques de água. Pintavam jardins nas paredes e no chão dos seus palácios. Cada flor tinha sua linguagem própria: os canteiros de mandrágoras eram símbolos de amor, os lótus de pétalas abertas evocavam o disco do sol, seu enraizamento nas águas, o nascimento do mundo.

Os esponsais de Zeus e de Hera foram celebrados no maravilhoso e mítico Jardim das Hespérides, símbolo de uma fecundidade sempre renascente. Mas, para os gregos, o jardim era sobretudo um luxo, cujo encanto lhes foi revelado na Ásia por ocasião das conquistas de Alexandre.

Os romanos levaram seus jardins ao mais alto grau de refinamento, combinando estátuas, escadarias, fontes, grutas, repuxos ao colorido variegado de uma vegetação obediente às leis e à vontade do homem. "Haverá coisa mais bela", diz Quintilia-no, "que um jardim arranjado de tal maneira que, seja qual for o ponto de vista do observador, só se descortinam alamedas retas?".

Especialmente sob a forma de um quincôncio regular, o jardim se revelava, assim, como um símbolo do poder do homem e, em particular, do seu poder sobre uma natureza domesticada. Em nível mais elevado, o jardim é um símbolo de cultura por oposição à natureza selvagem, de reflexão por oposição à espontaneidade, da ordem por oposição à desordem, da consciência por oposição ao inconsciente.

Foi na Pérsia, porém, que o jardim tomou um significado náo apenas cósmico, como no Japão, mas também metafísico e místico. O amor dos jardins é o tema central da visão iraniana do mundo. As seletas mais célebres da poesia persa intitulam-se o Rosal (Gulistan) e o Vergel (Bustan).

Os temas musicais são, muitas vezes, dedicados aos jardins. O jardim é fonte perpétua de comparações: a bem-amada é comparada ao cipreste, ao jasmim, à rosa.

Muitos poetas notáveis quiseram ser enterrados em jardins. O tema do jardim está aparentado ao do oásis e ao da ilha: frescor, sombra, refúgio. Nos célebres tapetes persas, ditos jardins, o campo é dividido por canais retilíneos, em que nadam peixes.
Esses canais, que se cruzam em ângulo reto, enquadram canteiros cheios de flores e de arbustos. O parque sassânida típico era em forma de cruz, em ângulos retos, com o palácio no centro. O que corresponde à ideia cosmológica de um universo dividido em quatro quadrantes, atravessado por quatro grandes rios (paraíso terrestre).

Os jardins persas típicos, comportando um esquema retangular, estão em relação, desse modo, com o antigo plano da cidade. O tanque do jardim é um espelho.

Nas Mil e uma noites fala-se de um tanque desses num pavilhão de repouso, com quatro portas às quais se tem acesso por cinco degraus.

Certas versões da Cosmologia, que descrevem um universo de quatro lados, põem no seu centro uma montanha. Essa ideia é reproduzida em muitos jardins persas e nos jardins mongóis da Índia. Os jardins persas são invariavelmente cercados por muros: intimidade protegida.

Nada de jardins sem perfume. Existe um simbolismo associado ao perfume das flores. O perfume do jasmim, por exemplo, é o perfume dos reis; o da rosa é o perfume dos enamorados; o odor do saman, espécie de jasmim-branco, é como o perfume dos próprios filhos da gente; o narciso cheira a juventude; o lótus-azul, a poder material, riqueza; e assim por diante.

Um artista especializado cria jardins em miniatura. Os príncipes encomendam árvores de ouro e de prata com folhas e frutos de pedras preciosas.

No Qaraciorum, Mangu Khan (1250 d.C.) tinha uma árvore de prata de tronco tão grosso que um homem podia esconder-se dentro dele. Havia quatro serpentes de ouro enroladas na árvore, e quatro leões de prata sentados debaixo dela.

De suas bocas jorrava leite de jumentas brancas. Trata-se, sempre, dos velhos símbolos das quatro partes do mundo, dos quatro rios do Paraíso etc.

O jardim representa um sonho do mundo, que transporta para fora do mundo. Jalal-ud Din Rumi vê na beleza das flores um sinal que traz à alma reminiscências da eternidade. A alma, na sua ascensão, atravessou todos os graus da existência: soube por si mesma o que significa ser uma planta.

Wasiti diz: "Aquele que quer contemplar a glória de Deus contempla uma rosa vermelha [...]. E assim como a Realidade última pode ser talvez percebida na contemplação imóvel de uma rosa rubra, assim também quando uma flor delicada encanta o coração a gente se sente de novo, por um instante, uma planta. O místico vê Deus no jardim e vê a si mesmo na relva".

A realidade última e a beatitude são interpretadas em termos de jardim. É a morada do Além, reservada aos Eleitos: "Esses serão os Anfitriões do Jardim, onde habitarão como Imortais em recompensa do que fizeram na Terra". O Jardim do Paraíso comporta fontes que jorram, regatos buliçosos, leite, vinho e mel; fontes aromatizadas de cânfora ou gengibre; sombras verdes, frutos saborosos; em todas as estações, uma pompa real; vestes preciosas, perfumes, braceletes, repastos refinados, servidos em ricas baixelas por efebos imortais que sáo como pérolas soltas. Pais, esposas, filhos estão presentes. Promete-se aos fiéis mulheres purificadas (huris), virgens e perfeitas. Os Eleitos estão na vizinhança do trono de Deus, e "seus rostos, nesse Dia, serão brilhantes ao contemplarem o Senhor".

O paraíso é um jardim, e o jardim, um paraíso. Louis Massignon extraiu o simbolismo místico do jardim persa: "Ao lado do espelho d'água, o senhor do jardim ocupava um quiosque e concentrava seu devaneio nesse espelho d'água central. Na periferia havia flores perfumadas. Depois, vinham as árvores, mais e mais juntas, cada vez maiores, até o limite do muro que isola o recinto.

Há nisso uma espécie de símbolo: assim como as árvores são mais e mais esparsas e menores à medida que se aproximam do centro, assim também a gente as vê cada vez menos e tem cada vez menos vontade de olhar em torno: a atenção se volta para o centro, para o espelho. É o jardim fechado do Cântico dos cânticos [...J. É também um símbolo da união da racionalidade construtiva dos iranianos com a sabedoria alusiva da árvore".

Nas civilizações ameríndias, o jardim era, igualmente, concebido como um resumo do universo. Mas para os astecas reunia não só o que existe de belo e de exaltador no mundo — flores, fontes, montanhas, rios e alamedas — mas também os seres temíveis e até as monstruosidades da natureza.

Eis uma descrição das mais significativas, da pena de Alfonso Reyes:

Nos jardins dos imperadores astecas, onde não se admitem nem legumes nem frutos úteis, há belvederes onde Montezuma vai espairecer em companhia de suas mulheres; bosquezinhos com todos os artifícios de folhagem e de flores; coelheiras, viveiros, rochedos, colinas artificiais em que erram veados e cabritos-monteses; dez tanques de água doce ou salgada para toda uma variedade de aves palustres ou marinhas, e onde se procura dar a cada pássaro a alimentação que convém à sua espécie: peixe, vermes, moscas; ou milho e, mesmo, em alguns casos, grãos mais finos.

Trezentos homens cuidam do jardim; outros ocupam-se com desvelo dos animais doentes. Uns limpam os tanques, outros vigiam os ovos, que jogam fora depois da eclosão, outros alimentam os pássaros, catam-lhes os piolhos, depenam aqueles que fornecem a penugem usada em travesseiros e edredons. Em outro local encontram-se as aves de rapina, desde os falcões como o terçô, e os francelhos, até a águia-real, abrigados por um grande toldo e provido de poleiros apropriados.

Depois, vêm leões, tigres, lobos, chacais, raposas, serpentes, gatos-do-mato, que fazem uma barulheira infernal e dos quais se ocupam outros trezentos homens. E para que nada falte a esse museu de história natural, existem apartamentos onde vivem famílias de albinos, de monstros, anões, corcundas e outras criaturas disformes.

O mais belo canto do jardim, e o mais rico em símbolos, é também o mais comentado pelos autores místicos: o Cântico dos cânticos:
— És jardim fechado, Minha irmã, noiva minha, és jardim fechado, uma fonte lacrada [...] A fonte do jardim é poço de água viva que jorra, descendo do Líbano! — Desperta, vento norte, aproxima-te, vento sul, soprai no meu jardim para espalhar seus perfumes. Entre o meu amado em seu jardim e coma de seus frutos saborosos!
— Já vim ao meu jardim, minha irmã, noiva minha, colhi minha mirra e meu bálsamo, comi meu favo de mel, bebi meu vinho e meu leite.

O jardim aparece muitas vezes nos sonhos como a feliz expressão de um desejo puro de qualquer ansiedade. "É ele o sítio do crescimento, do cultivo de fenômenos vitais e interiores. O fluxo das estações se cumpre por meio de formas ordenadas... a vida e sua riqueza tornam-se visíveis da maneira a mais maravilhosa.

O muro do jardim mantém as forças internas, que florescem... Só é possível penetrar no jardim por umaporta estreita. Aquele que sonha é obrigado frequentemente a procurar essa porta dando a volta ao muro. É a imagem de uma longa evolução psíquica que alcançou uma riqueza interior... O jardim pode ser a alegoria do eu quando no seu centro se encontra uma grande árvore ou uma fonte... O jardim designa, muitas vezes, para o homem, a parte sexual do corpo feminino. Mas através dessa alegoria do pequeno jardim das delícias, os cânticos religiosos dos místicos... significam muito mais que o simples amor e sua encarnação: o que eles procuram e louvam ardentemente é o mais íntimo da alma".

 

 

Fonte: Livro Dicionário dos Símbolos, por Jean Chevalier e Alain Gheerbrant, editora J.O.


Página atualizada na Agência EVEF em 29/03/2022 por Everton Ferretti