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O azul é a mais profunda das cores: nele, o olhar mergulha sem encontrar qualquer obstáculo, perdendo-se até o infinito, como diante de uma perpétua fuga da cor. O azul é a mais imaterial das cores: a natureza o apresenta geralmente feito apenas de transparência, ou seja, de vazio acumulado, vazio de ar, vazio de água, vazio do cristal ou do diamante.

O vazio é exato, puro e frio. O azul é a mais fria das cores e, em seu valor absoluto, a mais pura, à exceção do vazio total do branco neutro. O conjunto de suas aplicações simbólicas depende dessas qualidades fundamentais.

Aplicada a um objeto, a cor azul suaviza as formas, abrindo-as e desfazendo-as. Uma super-fície repassada de azul já não é mais uma super-fície, um muro azul deixa de ser um muro. Os movimentos e os sons, assim como as formas, desaparecem no azul, afogam-se nele e somem, como um pássaro no céu.

Imaterial em si mesmo, o azul desmaterializa tudo aquilo que dele se impregna. É o caminho do infinito, onde o real se transforma em imaginário. Acaso não é o azul a cor do pássaro da felicidade, o pássaro azul, inacessível embora tão próximo? Entrar no azul é um pouco fazer como Alice, a do País das Ma-ravilhas: passar para o outro lado do espelho.

Claro, o azul é o caminho da divagação, e quando ele se escurece, de acordo com sua tendência natural, torna-se o caminho do sonho. O pensamento consciente, nesse momento, vai pouco a pouco cedendo lugar ao inconsciente, do mesmo modo que a luz do dia vai-se tornando insensivelmente a luz da noite, o azul da noite.
Domínio, ou antes, clima da irrealidade — ou da super-realidade —, imóvel, o azul resolve em si mesmo as contradições, as alternâncias — tal como a do dia e da noite — que dão ritmo à vida humana. Impávido, indiferente, não estando em nenhum outro lugar a não ser em si mesmo, o azul não é deste mundo; sugere uma ideia de eternidade tranquila e altaneira, que é sobre-humana — ou inumana.

Seu movimento, para um pintor como Kandinsky, é a um só tempo "movimento de afastamento do homem e movimento dirigido unicamente para seu próprio centro, que, no entanto, atrai o homem para o infinito e desperta-lhe um desejo de pureza e uma sede de sobrenatural".

A partir daí, compreende-se, quer a importante significação metafísica do azul, quer os limites de seu uso clínico. Um ambiente azul acalma e tranquiliza, embora não tonifique, ao contrário do verde, porquanto fornece apenas uma evasão sem sustentação no real, apenas uma fuga que, a longo prazo, se torna deprimente.

Segundo Kandinsky, a profundidade do verde dá "uma impressão de repouso terreno e de contentamento consigo mesmo", ao passo que a profundidade do azul tem "uma gravidade solene, supraterrena". Essa gravidade evoca a ideia da morte: as paredes das necrópoles egípcias, sobre as quais se destacavam, em ocre e vermelho, as cenas dos julgamentos das almas, eram geralmente revestidas de um reboco azul-claro.

Já se disse, também, que os egípcios consideravam o azul a cor da verdade. A Verdade, a Morte e os Deuses andam sempre juntos, e é por isso que o azul-celeste é também o limiar que separa os homens daqueles que governam, do Além, seu destino. Esse azul sacralizado — o azul-celeste (em francês: razur) — é o campo elísio, o útero através do qual abre seu caminho a luz de ouro que exprime a vontade dos deuses: Azul-Celeste e Ouro, valores respectivamente feminino e masculino que significam, para o (símbolo) uraniano o mesmo que Sinople (heráld.) e Goles (heráld.) para o ctoniano (Sinople e Goles são o verde [escuro] é o vermelho [brilhante] na heráldica. O primeiro figurado em diagonal, o segundo,
em vertical. A oposição é:

AZUL  -  VERMELHO
[uranianos]   X   [ctonianos]
AMARELO  -  VERDE

Zeus e Jeová tronam (isto é, exibem-se do alto, majestosamente) com os pés pousados sobre o azul-celeste, ou seja, sobre o outro lado dessa abó-bada celeste que, na Mesopotâmia, se dizia ser feita de lápis-lazúli, e da qual a simbólica cristã fez o manto que cobre e vela a divindade.

Desse mesmo azul-celeste, com três flores-de-lis douradas, era o brasão da casa real de França, que assim, proclamava a origem teologal dos cristianíssimos.

Juntamente com o vermelho e o ocre o azul manifesta as hierogamias ou as rivalidades entre o céu e a terra. Sobre a imensa estepe asiática, que não é interrompida por nenhuma linha vertical, céu e terra desde sempre estiveram face a face; por isso seu casamento preside o nascimento de todos os heróis da estepe: segundo um tradição ainda não extinta, Gêngis Khan, fundador da grande dinastia mongólica, nasce da união do lobo azul e da corça selvagem.

O lobo azul também é Er Tõshtük, herói da gesta quirguiz, que usa uma armadura de ferro azul e empudunha um escudo azul e uma lança azul.

 

lobo azul

 

Os leões azuis e os tigres azuis, que abundam na literatura turco-mongol, são também atributos cratofânicos de Tangri, pai dos altaicos, que reside acima das montanhas e do céu, e que, com a conversão dos turcos ao islamismo, se transformou em Alá.

No combate entre o céu e a terra, o azul e o branco aliam-se contra o vermelho e o verde, tal como é tantas vezes atestado na iconografia cristã, principalmente em suas representações da luta de São Jorge contra o dragão.

Em Bizâncio, as quatro equipes de carros de combate que se defrontavam no hipódromo ostentavam as cores vermelha ou verde de um lado, azul ou branca do outro. E tudo leva a crer que esses jogos da Roma do Oriente se revestiam de tão alta significação religiosa e cósmica quanto a dos jogos de pelota que celebravam, na mesma época, os antigos povos mesoamericanos.

Pois tanto aqueles quanto estes últimos constituíam um teatro sagrado onde se representava a rivalidade do imanente e a do transcendente, da terra e do céu.

Ao longo da história francesa essa rivalidade tem ensejado combates bem verídicos e mortais, com as facções opostas ostentando ainda as mesmas cores emblemáticas, em nome do direito divino e do direito humano, que cada uma delas afirma encarnar: os - chuás (insurgentes da Vendeia contra a Revolução Francesa, em 1793) eram azuis, os revolucionários do ano II da república eram vermelhos - e tais são também as cores políticas que se enfrentam ainda hoje, pelo mundo afora.

A expressão sangue azul é explicada da seguinte maneira: na idade Média, blasfemar era um pecado mortal, e os camponeses jamais se arriscavam a nele incorrer; os senhores feudais, porém, costumavam fazê-lo sem o menor escrúpulo, até o dia em que certo jesuíta, favorito do rei, proibiu-lhes de empregar o nome de Deus em suas blasfêmias prediletas.

Eles contornaram essa dificuldade, substituindo Deus por azul (em francês, Dieu por Bleu, palavras que tem a mesma terminação). E foi assim que as imprecações se modificaram:

  • par la mort de Dieu (pela morte de Deus) passou a ser morbleu;
  • Sacré Dieu (Santo Deus) virou sacrebleu;
  • Par Dieu (por Deus) parbleu;
  • Par le sang de Dieu (pelo sangue de Deus) virou palsembleau.

Os criados humildes, que ouviam essa última imprecação, memorizava apenas o final, ou seja, sang bleau (sangue azul). Como o uso dessas blasfêmias era um privilégio da nobreza, para distinguir um nobre de um plebeu os criados costumavam dizer: esse é um sangue azul (sang bleu).

O azul e o branco, cores marianas, exprimem o desapego aos valores desse mundo e o arremesso da alma liberada em direção a Deus, ou seja, em direção ao ouro que virá ao encontro do branco virginal, durante sua ascensão no azul-celeste.

Reencontra-se aí, portanto, valorizada positivamente pela crença no Além, a associação das significações mortuárias do azul e do branco.

Em geral, quando se faz a promessa de trazer uma criança vestida sempre de branco ou de azul, em honra da Virgem, trata-se de crianças impúberes, ou seja, ainda não sexuadas, não materializadas, crianças que devido a sua inocência ainda não pertencem a esse mundo e são capazes de responder ao chamamento azul da Virgem.

Ora, o signo de Virgem, na roda zodiacal, corresponde à estação das colheitas, ocasião em que a evolução primaverial já se realizou, e vai ceder lugar à involução outonal.

O signo de Virgem é um signo centrípeta como a cor azul, e que vai despojar a terra de seu manto de verdura, desnudá-la, dessecá-la. É o momento da celebração da Assunção da Virgem-Mãe, festa que se realiza sob um céu sem véus, onde o ouro solar se faz fogo implacável e devora os frutos maduros da terra.

Essa cor azul-celeste é, no pensamento dos astecas, o azul-turquesa, a cor do Sol, por eles denominado Príncipe de Turquesa (Chal-chihuitl); era um sinal de incêndio, de sequidão, de fome, de morte.

Mas Chalchihuitl é também essa pedra verde-azulada, a turquesa, que ornava a vestimenta da deusa da renovação. Quando morria um príncipe asteca, antes de incinerá-lo substituía-se seu coração por uma dessas pedras; tal como no Egito, onde antes de mumificar um faraó defunto, punha-se no lugar de seu coração um escaravelho de esmeralda ou pedra turquesa.

Em certas regiões da Polônia, subsiste ainda o costume de se pintar de azul as casas das jovens casadoiras.

Segundo a tradição hindu, a face de safira do Meru (a do Sul) reflete a luz e tinge de azul a atmosfera.

A cidade misteriosa de Luz, à qual já nos referimos a propósito da amendoeira, a morada de imortalidade da tradição judaica, é também chamada a Cidade azul.

No budismo tibetano, o azul é a cor de Vaicorana, da Sabedoria transcendente, da potencialidade — e, simultaneamente, da vacuidade, da qual a imensidão do céu azul é, de resto, unia imagem possível.

A luz azul da Sabedoria do Dharma-dhâtu (lei, ou consciência original) é de uma ofuscante potência, embora seja ela que abra o caminho da Liberação.

O azul é a cor do yang, a do Dragão geomântico — daí as influências benfazejas. Huan (azul), cor do céu obscuro, longínquo, evoca, como no caso acima citado, a morada de imortalidade, mas evoca também — quando interpretado de acordo com o Tao Te Ching (cap. 1) — o não manifestado. O caractere antigo estaria em relação com o de-senrolamento do fio de um duplo casulo, fazendo lembrar o simbolismo da espiral.

As línguas célticas não têm um termo específico para designar a cor azul (o vocábulo glas, tanto em bretão, como em gaélico e em irlandês, significa azul ou verde, ou até mesmo cinzento, conforme o contexto; e, quando a distinção se faz indispensável, utilizam-se substitutos ou sinônimos. Glesum é, em celta antigo latinizado, o nome do âmbar cinzento).

 

borboleta azul

 

O azul é a cor da terceira função, produtora e artesanal. Mas, já nos textos irlandeses e galeses da Idade Média, não parece mais ter valores funcionais comparáveis aos do branco e do vermelho.

César relata, no entanto, em De Bello Gallico, que as mulheres dos bretões parecem nuas, em certas cerimônias religiosas, por terem o corpo recoberto de cor azul; e um ancestral mítico dos irlandeses chama-se Goedel Glas, Goidel, o azul: é ele o inventor da língua gaélica (assimilada ao hebraico).

A linguagem popular, por excelência uma linguagem terrena, não acredita absolutamente nas sublimações do desejo e, portanto, não vê senão perda, falta, ablação e castração, onde outros veem mutação e novo começo. Consequentemente, o azul adquire, a maioria das vezes, significação negativa.

O temor metafísico torna-se, assim, um medo azul (em francês: une peur bleue), e passar-se-á a dizer não vejo senão azul ( je n'y vois que du bleu) com o sentido de não vejo nada.

Em alemão, estar azul significa perder a consciência por causa do álcool. O azul, em certas práticas aberrantes, pode até mesmo significar o cúmulo da passividade e da renúncia.

Assim, uma tradição das prisões francesas exigia que o invertido efeminado tatuasse seu membro viril de azul, a fim de exprimir que renunciava à sua virilidade. Ao contrário de seu significado mariano, neste caso o azul exprima também uma castração simbólica; e a operação, a imposição desse azul, à custa de um longo sofrimento, testemunhava um heroísmo às avessas — não másculo, mas feminil, não sádico, e sim masoquista.

  

Fonte: Livro Dicionário dos Símbolos, por Jean Chevalier e Alain Gheerbrant, editora J.O.

 


Página atualizada por Everton Ferretti em 29/08/2024 na Agência EVEF