O caduzeu é um dos mais antigos símbolos que temos registrados em nossa história, pois encontramos gravado na taça do rei Gudea de Lagash, em 2.600 a.C., e sobre as tábuas de pedra nagakals (na Índia do terceiro milênio antes de Cristo).
As formas e as interpretações do caduceu são muito mais variadas do que geralmente se crê, e não se excluem, necessariamente.
O caduceu emblema de Hermes (Mercúrio) é uma vareta em torno da qual se enrolam, em sentido inverso, duas serpentes. Assim, ela equilibra os dois aspectos - esquerda e direita, diurno e noturno - do símbolo da serpente. Nas últimas décadas, esse caduceu foi adotado como o símbolo da profissão do contador (profissional de contabilidade).
Nesse caduceu histórico, a serpente possui duplo aspecto simbólico: um deles, benéfico, o outro, maléfico, dos quais possivelmente o caduceu apresenta o antagonismo e o equilíbrio; esse equilíbrio e essa polaridade são, sobretudo, os das correntes cósmicas, representadas de maneira mais geral pela dupla espiral.
Essa dualidade do caduceu de Hermes também pode ser interpretada como a dualidade passivo - ativo, que são as duas colunas de uma tabela comumente utilizada em balanços contábeis, e essa é uma das origens da escoha do caduceu como o símbolo da contabilidade.
A lenda do caduceu relaciona-se ao caos primordial (duas serpentes lutam) e à sua polarização (separação das serpentes por Hermes), sendo que o enrolamento final ao redor da vareta realiza o equilíbrio das tendências contrárias em torno do eixo do mundo, o que leva por vezes a se dizer que o caduceu é um símbolo de paz.
Hermes é o mensageiro dos deuses e, também, o guia dos seres em suas mudanças de estado, o que vem a corresponder justamente, observa Guénon, aos dois sentidos ascendente e descendente das correntes figuradas pelas duas serpentes.
O mesmo simbolismo exprime-se através do duplo enrolamento ao redor do bastão bramânico, pelo das duas nadi do tantrismo em volta
de sushumna, pela dupla circum-ambulaçáo de Izanági e Izanâmi em torno do pilar cósmico, antes da consumação de sua união; e, melhor ainda, por Fu-hi e Niu-kua, unidos por suas caudas de serpente e intercambiando seus atributos do compasso e do esquadro.
Uma outra interpretação salienta o simbolismo de fecundidade. Formado por duas serpentes acasaladas sobre um falo em ereção, o caduceu parece ser uma das mais antigas imagens indo-europeias.
Pode-se encontrá-lo associado a numerosos ritos, tanto na Índia antiga como na moderna; na mitologia grega, como emblema de Hermes; depois, entre os latinos, que o transferem a Mercúrio.
Espiritualizado, esse falo de Hermes, o psicopompo penetra - segundo a expressão usada por Henderson, discípulo de Jung - do mundo conhecido no desconhecido, "à procura de uma mensagem espiritual de liberação e de cura".
Todavia, o caduceu só adquire seu sentido completo na época grega, quando as asas passam a encimar as duas serpentes: a partir desse momento, o símbolo torna-se uma síntese ctono-uraniana, transcendendo suas origens, o que leva à evocação dos dragões alados chineses e da representação do deus asteca Quetzalcoatl, o qual, após seu sacrifício voluntário, renasce, através de uma ascensão celeste, sob a forma da serpente emplumada.
"A vareta mágica que representa o caduceu e que, geralmente, é composta de um bastão ao redor do qual se enrolam duas serpentes, evoca cultos muito antigos na bacia do mar Egeu, da árvore e da terra que dá o sustento às serpentes".
Efetivamente, "o caduceu hindu associa-se à árvore sagrada. O caduceu mesopotâmico apresenta uma vareta central. Ela parece ser exatamente a lembrança da árvore [...] Tem-se portanto o direito de considerar a vareta do caduceu de Hermes (e, também, aliás, o bastão do caduceu de Esculápio) o símbolo da árvore, associado à divindade, morada ou substituto desta".
O fato de que essa vareta tenha tomado, posteriormente, uma outra significação — o poder divinatório ou o poder de curar — em nada altera seu aspecto de símbolo da eficiência da divindade da árvore.
Para Court de Gébelin, que cita Atenágoras e Macróbio (Ambrosius Macrobius Theodosius, escritor lat., ativo no ano 400 da era cristã), o bastão simboliza o equador, as asas simbolizam o tempo, e as duas serpentes, macho e fêmea, representam o "Sol e a Lua que, no decurso de um ano, percorrem a eclíptica sobre a qual estão por vezes separados, por vezes unidos".
Essa interpretação convém sobretudo ao papel de Hermes, considerado o pai da astronomia e da agricultura.
Por seu lado, os alquimistas também não deixaram de dar uma interpretação do caduceu. É o cetro de Hermes, deus da alquimia. Recebido de Apoio em troca de uma lira de sua invenção, o caduceu é formado por uma vareta de ouro rodeada por duas serpentes. Estas representam, para o alquimista, os dois princípios contrários que se devem unificar, quer sejam o enxofre e o mercúrio, o fixo e o volátil, o úmido e o seco ou o quente e o frio. Esses princípios conciliam-se no ouro unitário da haste do caduceu que surge, portanto, como a expressão do dualismo fundamental que ritma todo o pensamento hermético e que deve ser reabsorvido na unidade da pedra filosofal.
Essa interpretação insere-se num conceito que faz do caduceu um símbolo de equilíbrio por integração de forças contrárias: representaria o combate entre duas serpentes, do qual Hermes seria o árbitro. Esse combate pode simbolizar a luta interior entre forças antagônicas, de ordem biológica ou de ordem moral, que compromete a saúde ou a honestidade de um ser.
E assim é que, entre os romanos, por exemplo, o caduceu representa o equilíbrio moral e a boa conduta: o bastão representa o poder; as duas serpentes, a prudência; as duas asas, a diligência; e o capacete, os pensamentos elevados. Todavia, neste caso a interpretação não ultrapassa de modo algum o nível do emblemático.
O caduceu reúne também os quatro elementos da natureza e seu valor simbólico: a vareta corresponde à terra, as asas, ao ar, e as serpentes, ao fogo e à água. No que concerne a estas últimas, porém, não é apenas o seu rastejar serpenteante que as faz semelhantes ao movimento ondulatório das vagas e das chamas ou que as assimila à água e ao fogo: é sua própria natureza, ao mesmo tempo ardente, pela mordida venenosa, e quase líquida, pela fluidez de seus corpos — o que as torna fontes de vida e de morte a um só tempo.
Segundo o esoterismo budista, particularmente o ensinamento tântrico, o bastão do caduceu corresponde ao eixo do mundo, e as serpentes, à Kundalini, essa força que dorme enroscada em espiral na parte inferior do dorso humano, e que se eleva através dos chakras sucessivos até acima da fontanela (ou moleira), símbolo da energia pura, que anima a evolução interior do homem.
Efetivamente, o que define a essência do caduceu é a própria composição e a síntese de seus elementos. Ele evoca o equilíbrio dinâmico de forças opostas que se harmonizam para constituir uma forma estática e uma estrutura ativa, mais altas e mais fortes.
A dualidade das serpentes e das asas mostra esse supremo estado de força e de autodomínio que pode ser realizado tanto no plano dos instintos (serpentes) quanto no nível do espírito (asas).
No entanto, o caduceu permanece como o símbolo da enigmática complexidade humana e das possibilidades infinitas de seu desenvolvimento.
O atributo de Hermes (Mercúrio) é feito de uma vareta que é a vara de ouro, ou a árvore da vida, em torno da qual se enrolam simetricamente, em forma de oito, duas serpentes. "Hermes", diz Homero, "segura a vara por meio da qual ele embruxa a seu bel-prazer os olhos dos mortais ou desperta aqueles que dormem".
A vara poderia lembrar, ainda, a origem agrária do culto de Hermes e os poderes mágicos que ele detém; as duas serpentes evocariam o caráter originalmente ctoniano desse deus, capaz de descer aos Infernos e de para lá enviar suas vítimas, ou, conforme sua vontade, de retornar dos Infernos trazendo consigo de volta à luz certos prisioneiros.
Pausânias assinala um culto que era prestado ao Hermes negro e ao Hermes branco — os dois aspectos, ctoniano e uraniano, nefasto e favorável, do mesmo deus.
As serpentes do caduceu designam essa ambivalência, que é a mesma ambivalência do homem.
Finalmente, de acordo com a interpretação simbólica inspirada por sua ética biológica, e de acordo com a interpretação mitológica que atribui o caduceu a Asclépio (Esculápio), pai dos médicos e futuro deus da medicina porque sabia utilizar as poções para curar os enfermos e ressuscitar os mortos, Paul Diel explica o caduceu da seguinte maneira: "a maçã (dava), que é a arma contra a banalidade, transformou-se em bastão-cetro, símbolo do reino espiritual sobre a vida terrena, símbolo do reinado do espírito sobre o corpo, e a serpente-vaidade (a negação do espírito, a exaltação imaginativa, princípio essencial de todo desregramento malsão) derrama seu veneno na taça salutar".
É toda a aventura da medicina que se desenrola no mito de Asclépio e se resume no caduceu: a verdadeira cura e a verdadeira ressurreição são as da alma. A serpente enrosca-se em volta do bastão, que simboliza a árvore da vida, para significar a vaidade domada e submissa: seu veneno transforma-se em remédio, a força vital pervertida reencontra o caminho certo. A saúde é: "a justa medida, a harmonização dos desejos (a simetria das espirais das serpentes), a ordenação da afetividade, a exigência de espiritualização-sublimação, (que) presidem náo apenas à saúde da alma, (mas também) codeterminam a saúde do corpo".
Essa interpretação faria do caduceu o símbolo privilegiado do equilíbrio psicossomático.
Fonte: Livro Dicionário dos Símbolos, por Jean Chevalier e Alain Gheerbrant, editora J.O.